Análises em casos concretos apontam utilização indevida do benefício fiscal.
Por Aline Amorim | Qui. 3 outubro 2024.
O tratamento das subvenções para investimento passou por mudanças significativas com a promulgação da Lei nº 14.789, de 29 de dezembro de 2023. A Fiscalização da Receita Federal intensificou ações com vistas a alertar contribuintes sobre a oportunidade de autorregularização, além de fiscalizar irregularidades identificadas na vigência do art. 30 da Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014, tratamento tributário anterior.
Evolução normativa
A norma revogada permitia que, sob determinadas condições, a subvenção recebida não fosse computada na determinação do lucro e na apuração de base de cálculo da CSLL. Com a sua revogação pela Lei nº 14.789, de 2023, todos os tipos de subvenções recebidas a partir de 2024 passam a ser tributados pelo IRPJ e pela CSLL.
A nova legislação introduziu também a possibilidade de transação tributária especial para os débitos apurados em virtude de exclusões em desacordo com o art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, sendo concretizada no edital de transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica nº 4/2024.
Em outra inovação, a Lei nº 14.789, de 2023, instituiu ainda a possibilidade de autorregularização incentivada para esse tipo de infração fiscal, desde que efetuada antes do lançamento do crédito tributário. O tema foi regulamentado pela Instrução Normativa nº 2.184, de 2 de abril 2024, que estabeleceu, entre outros, os períodos de adesão e as medidas necessárias para a autorregularização.
Ações após alertas
Com o intuito de orientar os contribuintes para a conformidade por meio da autorregularização fiscal, a Subsecretaria de Fiscalização aponta, a seguir, alguns dos principais tipos de exclusões indevidas a título de subvenção para investimentos identificadas e que, na análise dos auditores-fiscais, não encontram amparo jurídico na legislação fiscal, tampouco na jurisprudência qualificada do Superior Tribunal de Justiça:
Em relação ao crédito presumido de ICMS:
Crédito presumido concedido em substituição aos créditos efetivos de ICMS sobre as entradas
Somente o benefício fiscal do crédito presumido de ICMS é passível de exclusão na determinação do lucro real a título de subvenção para investimento ou simplesmente como incentivo fiscal. Nas situações em que parte do crédito presumido de ICMS não representa benefício fiscal, essa parte não é passível de exclusão na apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. São exemplos de tais situações:
Por vezes, o crédito presumido de ICMS é escriturado em decorrência de regimes especiais previstos em legislação estadual. Trata-se de uma opção que vem em substituição ao método ordinário de apuração do ICMS a recolher (débitos por saída menos créditos por entradas). Por essa opção, o contribuinte renuncia ao seu direito aos créditos básicos pelas entradas. O benefício fiscal resultante, portanto, não é todo o crédito presumido escriturado, mas tão-somente o valor que eventualmente supera o crédito básico de ICMS que deixou de ser apropriado (inclusive porque o crédito básico estornado, ou simplesmente não escriturado, passa a integrar o custo de aquisição das mercadorias). Nessa situação, o benefício fiscal representa a diferença entre o valor de ICMS que o contribuinte recolheria na sistemática da não cumulatividade e o valor que ele efetivamente recolheu por aderir ao regime especial.
Crédito presumido escriturado em regime simplificado aplicável ao setor de transportes
Na hipótese do Convênio ICMS nº 106, de 1996, aplicável ao setor de transportes, exceto aéreo, a pessoa jurídica pode optar por regime simplificado de apuração do ICMS, desde que o faça para todos os seus estabelecimentos do território nacional. Por esse regime, aproveita-se um crédito presumido de 20% do valor do ICMS devido na prestação em detrimento de quaisquer outros créditos, inclusive os créditos básicos de ICMS pelas entradas. Trata-se de créditos presumidos ditos “operacionais”, concedidos com a finalidade de simplificar o cumprimento das obrigações relativas à apuração do imposto. Nessa situação, a totalidade do crédito presumido de ICMS não se configura um benefício fiscal, mas somente simplifica a sistemática de apuração do imposto estatual.
Contribuições obrigatórias a fundos estaduais
Deve-se considerar na quantificação do benefício fiscal auferido a eventual existência de contribuições obrigatórias a fundos instituídos e administrados pelo próprio ente tributante do ICMS, a partir do Convênio ICMS nº 42, de 2016. Na situação em que a legislação estadual prevê que a contribuição é obrigatória para apropriação dos créditos presumidos, ela se reveste da mesma natureza jurídica do ICMS, configurando uma diminuição do montante do benefício fiscal concedido. Portanto, essa contribuição ao fundo deve ser diminuída na apuração do montante a ser excluído para fins de determinação do lucro real.
Em relação as espécies de desoneração total ou parcial de incidência do ICMS
Em razão do regime constitucional e legal do ICMS, o contribuinte de direito do ICMS não é quem suporta jurídica e economicamente o seu ônus, salvo raras hipóteses legais. Essa característica do ICMS levou o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a tese jurídica posta em julgamento no Tema nº 69, a concluir que o ICMS não integra a receita do seu contribuinte, nem ele se agrega ao seu patrimônio, representando mero ingresso de caixa para o qual coexiste a obrigação de repasse do mesmo valor ao ente tributante, ou um “simples trânsito contábil”.
As espécies de desoneração do ICMS, tais como isenção, redução de base de cálculo ou redução de alíquota, por sua vez, produzem como efeito, em relação ao montante do ICMS desonerado, a inocorrência do seu ingresso no caixa do contribuinte ao mesmo tempo que evitam o surgimento da obrigação de repasse ao Estado ou DF. Consequentemente, não há “resultado de benefício” em decorrência da ausência de mero trânsito do ICMS pelas contas do vendedor.
Percebe-se, assim, que - tanto na operação onerada de ICMS quanto na desonerada - não há qualquer repercussão de natureza fiscal no patrimônio do contribuinte do ICMS. A compreensão de que o ICMS que incide na operação não se incorpora ao patrimônio do vendedor necessariamente traz consigo ao entendimento de que em uma situação de não incidência do ICMS, por isenção ou redução de alíquota ou de base de cálculo, simplesmente não há qualquer valor de imposto apto a se incorporar ao patrimônio do vendedor.
Desse modo, porque inexiste recebimento ou resultado de benefício fiscal por meio das espécies de desoneração do ICMS para o vendedor da mercadoria, tal situação também não configura subvenção governamental. Logo, qualquer exclusão do lucro real a esse título, seja no regime legal anterior, seja no regime atual, torna-se arbitrária e sem amparo legal.
Efeito idêntico se verifica nas operações imunes de ICMS, com a situação qualificadora que imunidade não é benefício fiscal, mas sim a decorrência da limitação constitucional ao poder de tributar. Ademais, ainda que, por hipótese, se tratasse de benefício fiscal, a não incidência do ICMS em operações de exportação ou remessa com o fim específico de importação, por exemplo, sequer seria um benefício ou incentivo concedido pelos Estados e pelo Distrito Federal, nos termos da redação do § 4º do art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, que vigorou até o ano-calendário 2023.
Em relação ao diferimento do ICMS para etapa subsequente
Assim como abordado no item anterior, a operação com diferimento do ICMS também não causa qualquer repercussão no patrimônio do contribuinte do ICMS. Além disso, o diferimento do ICMS sequer é tido como benefício fiscal, consistindo em mera técnica de tributação em que se procede a substituição tributária para trás, conforme jurisprudência do STF e do STJ (ADI 2056/MS, STF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 17/08/2007; EREsp 1119205 / MG, STJ, S1 - Primeira Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 08/11/2010).
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